terça-feira, 6 de maio de 2008

China em Angola

No primeiro trimestre deste ano, Angola tornou-se o maior fornecedor de petróleo à China, superando a própria Arábia Saudita. É o último de uma série de marcos, ou “ultrapassagens”, nas relações entre os dois países em termos de comércio e investimentos, que vêm se sucedendo rapidamente nos últimos anos.

Eis mais algumas dessas “ultrapassagens”: no comércio, a China tornou-se, nos anos 1990, o segundo maior parceiro comercial de Angola, depois da África do Sul. O fim da guerra civil angolana, em 2002, foi seguido de grande incremento nas relações com os chineses. Os sul-africanos foram deixados para trás em 2005. No sentido inverso, a China tornou-se o segundo maior parceiro comercial de Angola no começo de 2007, ultrapassando Brasil e África do Sul e ficando atrás apenas de Portugal. Feitas as contas, o comércio total entre Angola e China foi, em 2007, de US$ 14,11 bilhões, um aumento de 19,4% em relação a 2006 (The China Monitor 27, março de 2007). Das exportações angolanas, o óleo cru representa 95%.

As informações do presente texto foram retirados quase todas do trabalho “Angola e China: uma parceria pragmática”, de autoria de Indira Campos e Alex Vines, da Chatham House, de Londres. É um documento de trabalho apresentado em dezembro de 2007 na Conferência do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais (CSIS), em Washington, sobre cooperação entre Estados Unidos, China e África.

Quanto a investimentos chineses em Angola, segundo Campos e Vines, o grande salto deu-se em 2004, quando houve uma linha de crédito de nada menos que US$ 2 bilhões do Export-Import Bank (Eximbank) da China, que é o maior investidor chinês na África. Seguiram-se outras linhas polpudas nos anos seguintes pelo Eximbank e pelo China International Fund Ltda. (CIF). Os investimentos financiados pelo Eximbank dão-se essencialmente na área de infra-estrutura, principalmente geração de energia, água, pesca, comunicações, educação (construção de escolas) e saúde (equipamentos e construção de hospitais). Os do CIF não são conhecidos, pois são gerenciados por um opaco órgão diretamente ligado à presidência angolana (o Gabinete de Reconstrução Nacional).

Por que a China? Os chineses têm um modelo de cooperação inovador em relação ao ocidental. Este último é baseado em ajuda financeira sujeita a condições como medidas contra corrupção e em favor dos direitos humanos. Várias negociações angolanas com o Banco Mundial, o FMI e outras instituições fracassaram por causa dessas condições. Já os chineses oferecem linhas de crédito (como os empréstimos do Eximbank e do CIF) e comércio, sem as condições ocidentais, com juros mais baixos e prazos para pagamento maiores.

A falta de condições anti-corrupção e pró-direitos humanos para investimentos é motivo de várias críticas por parte de governos e analistas do Ocidente. Mas alguns críticos estão mais interessados em se Angola está repetindo velhos erros cometidos por outros países em desenvolvimento. Quanto a isso, algumas características do modelo de desenvolvimento adotado são preocupantes. O ideal seria que todo esse investimento produzisse também transferência de conhecimento, tecnologia e capacitação profissional, para que os angolanos pudessem depois manter e levar adiante as melhorias. Mas os chineses que trabalham em Angola têm pouquíssima interação com os angolanos e retornam ao seu país após o fim dos contratos; além disso, praticamente não há empresas locais que possam participar de joint ventures com as multinacionais chinesas. Isso limita muito as possibilidades de transferência de conhecimentos e capacitações.

Além disso, há uma grande concentração das atividades angolanas no setor petrolífero, que não produz muito emprego e tem poucos desdobramentos pelos outros setores da economia – e, portanto, pouco efeito no desenvolvimento social. É necessária uma diversificação da economia. Mais: segundo Campos e Veines, há uma ameaça concreta de dependência tecnológica de Angola com os chineses. Um “caso-advertência” aconteceu quando a central de ar condicionado do recentemente reformado Ministério das Finanças deu defeito e as peças para consertá-lo tiveram que vir da China.

Vêm crescendo, porém, manifestações na imprensa angolana sobre a necessidade da diversificação da economia. O governo vem fazendo movimentos nesse sentido e para a melhoria do ambiente de negócios. Talvez a presença chinesa na África seja recente demais para se identificar tendências; é possível que, à medida que os países cresçam, aumentem as exigências pela satisfação de demandas locais. Oxalá.

* * *

Mais informações:

O artigo de Indira Campos e Alex Vines:
http://www.chathamhouse.org.uk/publications/papers/view/-/id/603/

Veja também, neste blog:

Corrida à África - O que chineses, indianos e outros andam fazendo no resto do continente:
http://polticainternacionalafricana.blogspot.com/2008/04/corrida-frica.html

Publicações:

Elementos culturais são fundamentais para a compreensão da política internacional. Sobre as relações Brasil-África, portanto, é útil o site “África e Africanidades”, que possui rica variedade de textos, imagens e links sobre cultura africana e afro-brasileira (literatura, artes plásticas, gastronomia, filmes, eventos etc.):
http://africaeafricanidades.wordpress.com/