segunda-feira, 14 de abril de 2008

Corrida à África

O crescente investimento estrangeiro na África está ganhando contornos de competição acirrada. Nos dias 8 e 9 últimos, houve uma conferência em Nova Délhi entre representantes da Índia e de 14 países africanos para assinarem acordos sobre investimentos e diversos outros itens de cooperação técnica e diplomática. Em maio, haverá uma reunião semelhante com japoneses em Yokohama. Os investimentos diretos chineses na África aumentaram 300% desde 2004; sua “reunião semelhante” foi em 2006 e envolveu 54 países do continente. No total, o investimento estrangeiro direto na África cresceu cerca de 200% entre 2000 e 2005 (Carlos Lopes, Valor Econômico, 09/04/2007).

Nesse quadro, empresas brasileiras como a Vale do Rio Doce, a Petrobras e a Odebrecht já chegaram a perder negócios para suas congêneres chinesas naquele continente, conforme uma reportagem na Gazeta Mercantil de 13/03/07. Com relação à competição China-Índia, os investimentos chineses totais (US$ 55 bilhões) são hoje mais do dobro dos indianos (US$ 25 bilhões) e a China tem muito mais dinheiro. Mas a Índia tem pelo menos uma vantagem: há grande quantidade de africanos descendentes de trabalhadores indianos que os britânicos levaram para a África no século XIX, quando administravam a Índia e vasto território africano como colônias; só na África do Sul, há um milhão ou mais de cidadãos com essa ascendência. Assim, as multinacionais indianas podem empregar mão-de-obra local, enquanto as chinesas em geral a trazem de seu país, o que tem gerado certa apreensão no continente.

Já as potências ocidentais condicionam seus investimentos ao respeito pelos direitos humanos e ao combate à corrupção, o que excluiu muitos países da região e produziu um vácuo geopolítico que China e Índia, que não têm essa restrição, vêm aproveitando. Coincidência ou não, dois dias antes da reunião Índia-África, um encontro do G-8 para dar fôlego à ajuda financeira às nações africanas, no contexto das Metas do Milênio, convidou 8 países emergentes, incluindo China, Índia e Brasil, para convencê-los a incluir os direitos humanos nos seus critérios de investimento. Os chineses ignoram tais críticas solenemente.

A participação do Brasil nesse bolo tem sido bastante modesta. Entre os 34 países citados pelo nosso Banco Central como destino de investimentos diretos brasileiros, não há nenhum africano. Estes estão misturados com os outros 0,1% de investimentos brasileiros no resto do mundo (Jornal do Brasil, 22/10/2007). Estamos então fadados a perder essa competição? Bem, a atuação do Brasil não se dá sempre nas mesmas áreas que a da China. Esta financia pesadamente a construção de minas e a infra-estrutura de transportes, para facilitar a exportação de petróleo e minérios, que é no que está no momento interessada. Já o Brasil, apesar de também investir em minas e petróleo, tem muitos acordos em cooperação técnica em educação, saúde e formação de profissionais e de know-how em administração. Ambas as estratégias têm objetivos semelhantes: a formação de um mercado africano capaz de absorver exportações e, no caso da China, prover suas necessidades de importação, assim como construir um espaço de influência geopolítica capaz de render dividendos diplomáticos.

O sucesso de cada competidor dependerá do que tudo isso significa para os próprios africanos. Muitos deles percebem o contraste entre o absurdo tratamento colonialista que lhes foi dispensado pelas potências ocidentais nos séculos XIX e XX e o da China, que lhes vende a imagem de independência, igualdade, respeito mútuo e não interferência nos assuntos internos, definidos explicitamente no XII Congresso do Partido Comunista Chinês em 1982. O que não impede que haja apreensão e mesmo protestos em alguns países, pois, além das multinacionais chinesas não aproveitarem a mão-de-obra local, grande parte dos seus lucros voltam para a metrópole. Além disso, as áreas de investimento chinês – produção de bens primários extrativos – são muito concentradas e produzem poucos desdobramentos dinâmicos através da economia. Assim, o modelo econômico adotado por vários governos africanos, com relação aos investimentos nessas áreas, não serve para melhorar as desigualdades sociais de seus países. Nisso, a atuação do Brasil tem alguma vantagem, pois a cooperação técnica incide diretamente nos principais fatores de desenvolvimento social.

Em última análise, os instrumentos estão à disposição – investimentos, cooperação técnica, doações financeiras –; cabe aos governos africanos fazer o melhor uso deles.

Mais informações:

“When trade winds smell sweet”, artigo da The Economist sobre a penetração da Índia na África:
http://www.economist.com/research/articlesBySubject/displayStory.cfm?story_id=11019743&subjectID=423172&fsrc=nwl

Amaury Porto de Oliveira, “A política africana da China”
http://www.casadasafricas.org.br/site/img/upload/674760.pdf

Carlos Lopes, “A África: entre o Brasil e a China”, Valor Econômico, 09/04/2007 – contém uma crítica à política externa brasileira para a África à luz da competição com a China
http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=327403

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Publicação – No último dia 10 saiu uma coleção de 15 textos sobre a África na revista ComCiência, publicação do Laboratório de Jornalismo (Labjor) da Unicamp, entre artigos de especialistas, reportagens, entrevistas, resenhas e poemas:

www.comciencia.br

Um comentário:

Leonardo Arquimimo de Carvalho disse...

Oi Roberto, Tudo bem? Parabéns pelo Blog. Particulamente acho fundamental uma melhor divulgação dos temas de Política Internacional Africana. Abraços. Leonardo Arquimimo de Carvalho.