segunda-feira, 28 de abril de 2008

Lula lá em Gana

Quatro acordos de cooperação entre Brasil e Gana sobre agricultura e AIDS foram assinados no dia 19, em Acra, capital do país. Foi irônico e oportuno isso ter acontecido justamente na ocasião e no local de uma reunião mundial dominada pela polêmica do papel dos biocombustíveis nos crescentes preços dos alimentos (trata-se da 12ª Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, UNCTAD, realizada entre 20 e 25 de abril, na mesma cidade).

Irônico porque um dos acordos foi justamente sobre um projeto para avaliar o potencial de Gana para a produção de biocombustíveis e capacitar seus profissionais para o cultivo voltado a essa produção. Enquanto isso, Lula tinha que defender-se, na reunião da ONU, dos ataques ao etanol brasileiro, produzido a partir da cana, que está sendo confundido com o dos EUA, originário do milho. O problema deste último é que ele avançou sobre as terras que produziam milho para a alimentação humana e de animais e, assim, causou aumento no preço desse produto e do frango. Mas a cana não é usada extensivamente como alimento humano ou de animais!

E oportuno porque, como dito no texto anterior deste blog (21/04/08), a modernização agrícola poderia mitigar muitos dos problemas africanos com a alta dos alimentos, ou mesmo transformá-los em lucro. Ora, um segundo acordo entre Brasil e Gana prevê a capacitação de técnicos e pesquisadores ganenses em pesquisas sobre biotecnologia e manejo de recursos genéticos, especificamente aplicados ao cultivo de mandioca. Um terceiro prevê a capacitação de pessoal para melhoramento genético, formação de um sistema de informação geográfica e outras técnicas voltadas às plantações florestais.

Esses três acordos têm como órgão executor no Brasil a empresa brasileira Embrapa. Sua atuação deverá ser facilitada pela abertura de um escritório justamente em Acra, na mesma ocasião da reunião da ONU, que deverá atender a todos os países africanos. Já o quarto acordo tem como finalidade capacitar os ganenses para a prevenção, cuidado e tratamento da AIDS e para a mobilização de setores da sociedade para o combate à doença, como ONGs, portadores do vírus e a iniciativa privada.

Não se trata de generosidade – isso praticamente não existe nas relações internacionais. Do lado brasileiro, as principais vantagens de acordos como esses vêm a longo prazo e relacionam-se com a formação de mercados. O próprio chefe da Assessoria de Relações Internacionais da Embrapa, Elísio Contini, disse que a produção de mandioca em Gana abrirá oportunidades para o Brasil exportar máquinas e equipamentos (Agência Brasil, 19/04). Também se relacionam com apoio ao Brasil em fóruns internacionais como a OMC e a Assembléia Geral da ONU e mesmo o respaldo a posições brasileiras como a defesa contra os ataques ao biocombustível brasileiro.

Tampouco os africanos são receptores passivos e o significado de tudo isso para muitos deles não é tão automático. Apesar do presidente ganense John Kufuor ter reconhecido a liderança do Brasil entre os países do Sul e que o resto das nações em desenvolvimento a respeitavam, o ministro do Planejamento e Desenvolvimento de Moçambique, Victor Bernardo, disse que a prioridade de seu país era a luta contra a pobreza e alertou que “os biocombustíveis talvez não sejam nossa prioridade e nem nossa preocupação principal. (...) Não podemos usar as melhores terras aráveis para biocombustíveis” (Agência Brasil, 23/04).

A afirmação do moçambicano tem peso, pois seu país é um dos com maior potencial para a produção de biocombustíveis e tem muita necessidade de substituir o petróleo, cujos preços em alta vêm causando prejuízos ao país, que tem que importá-lo. A Biopact, instituição especializada no estudo da cooperação entre Europa e África em tecnologias ecológicas, avalia que Moçambique tem capacidade para produzir etanol equivalente (energeticamente) a 3 milhões de barris de petróleo por dia, o que o colocaria em terceiro lugar entre os membros da OPEP, e isso satisfazendo os critérios de sustentabilidade adotados pelo governo holandês (o único do mundo que os possui para biocombustíveis e biomassa importados).

O tema da reunião da UNCTAD foi “Oportunidades e desafios da globalização para o desenvolvimento”. A ironia final é que os resultados mais objetivos nessa área aconteceram não na própria reunião, mas em encontros paralelos, como o do Brasil com Gana.

Mais informações:

Textos dos quatro acordos de 19/04 entre Brasil e Gana:
http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa/nota_detalhe3.asp?ID_RELEASE=5343

Esta matéria da Agência Brasil contém um panorama da atuação da Embrapa na África:
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/04/17/materia.2008-04-17.5962123307/view

Site da UNCTAD:
http://www.unctadxii.org/

Publicações:

Blog sobre cooperação Brasil-Moçambique, do moçambicano Nelson Bartolomeu Nkavandu:
http://afrika.vox.com/

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