segunda-feira, 21 de abril de 2008

Quem planta mal, come mal

A tão falada alta no preço dos alimentos dos últimos anos e seus efeitos nefastos sobre a população das nações pobres escancarou um problema sério em muitos países africanos: a enorme ineficiência de sua agricultura. Esta é a verdadeira causa estrutural de sua agonia com o preço da comida (sem querer de modo algum relevar as causas dos próprios preços altos). Afinal, muitos desses países teriam condições de ser não só auto-suficientes, mas também exportar alimentos e, assim, enriquecerem com a comida cara.

A alta dos alimentos é dramática. Desde o início de 2006, o trigo mais que triplicou de preço, a soja mais que duplicou e o milho subiu mais de 150%. O arroz triplicou de preço nos últimos três meses (O Globo, 17/04/08). Dramáticos são também seus efeitos nas regiões menos favorecidas. O alimento representa mais que 50% do orçamento das pessoas em muitos países pobres (na Nigéria, representa 73%). Levantes populares começam a pipocar nesses lugares, muitas vezes instrumentalizados por forças de oposição aos governos.

Por que nações com grande potencial agrícola não conseguem produzir o suficiente? Os motivos são diversos: corrupção, prioridades inadequadas das políticas públicas, guerras civis e milhões de minas terrestres deixadas pelos conflitos armados, que inutilizam boa parte das terras para o cultivo. Um exemplo: na época da independência (1975), Angola era auto-suficiente em alimentos e uma das maiores exportadoras mundiais de café. A guerra civil, que durou até 2002, devastou sua agricultura e, em 2004, apenas 3% das terras cultiváveis eram usadas! (OCDE, African Economic Outlook 2005.) Angola é um país com uma das maiores concentrações de minas terrestres do mundo, que aleijam entre 300 e 400 pessoas no país por ano.

Mas esses são os problemas de quantidade. Os de qualidade são talvez piores. Um artigo do cientista político Robert Paarlberg no International Herald Tribune de 01/03 dá um panorama sombrio. 80% do trabalho nas fazendas africanas são feitos por mulheres e crianças. Há apenas dois tratores para cada mil trabalhadores agrícolas. Somente 4% das culturas são irrigadas. Mais de dois terços da área plantada não usam cultivos melhorados cientificamente. O resultado é que a produtividade média das plantações de cereais na África é apenas um terço da dos países em desenvolvimento da Ásia e um décimo da dos Estados Unidos. A renda média chega a apenas um dólar por dia para cada trabalhador agrícola.

O pior é quando se olha como isso tem evoluído com o tempo. A produção agrícola total per capita média da África está hoje 19% abaixo do nível de 1970! Como isso pôde acontecer? Bem, muitos países pobres africanos são bastante dependentes de ajudas financeiras externas. Paarlberg mostra que a ajuda financeira internacional para melhorias técnicas na agricultura vem decrescendo há bastante tempo. Em 1980, 25% do dinheiro para assistência ao desenvolvimento da Agência para Desenvolvimento Internacional dos EUA ia para modernização da agricultura; hoje, apenas 1%. Naquela mesma época, cerca de 30% dos empréstimos do Banco Mundial foram para modernização agrícola. Hoje, apenas 8%.

Mas os países não precisam depender de ajuda externa. Lê-se hoje sobre o alto crescimento anual do PIB de muitos países africanos, mais de 5% em média nos últimos anos. Em grande parte, graças a investimentos estrangeiros maciços. E esses investimentos, apesar de estarem se diversificando lentamente, ainda se concentram na extração de minérios (OCDE, Policy Insights, abril de 2007). Para desviar parte deles para a modernização agrícola, este último setor teria que ser mais atrativo para investimentos, o que requer políticas públicas apropriadas por parte dos governos desses países, que melhorem o ambiente de investimento nessas áreas, e também... menos corrupção, menos guerras, menos minas terrestres.

O círculo, assim, se fecha. Como sempre, tudo depende muito das escolhas dos próprios africanos, e não só de assistencialismo externo.

***

Mais informações:

O artigo de Robert Paarlberg:
http://www.iht.com/articles/2008/02/29/opinion/edpaarlberg.php

Este artigo do economista Paul Collier (The Times, 15/04) também fala do assunto e discute as causas da queda nos investimentos em modernização agrícola na África, que identifica serem essencialmente uma distorção de suas prioridades por causa da febre nos países ricos por produtos orgânicos, pela agricultura familiar e contra o melhoramento genético:
http://www.timesonline.co.uk/tol/comment/columnists/guest_contributors/article3746593.ece

***

Publicações:

The China Monitor é uma publicação mensal sobre relações entre China e África do Centro de Estudos Chineses da Universidade Stellenbosch, da África do Sul. Na última edição (de março), o tema é: “A parceria florescente: China, Macau e África Lusófona”.
http://www.ccs.org.za/downloads/monitors/China%20Monitor%20March%202008.pdf

O Chatham House e o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) publicaram em março um estudo sobre a presença da China em Angola (“Angola and China: a pragmatic study”, de Indira Campos e Alex Vines). Inclui um trabalhoso levantamento dos investimentos chineses no país. O trabalho foi apresentado em uma conferência do CSIS sobre cooperação entre EUA, China e África em Washington, em dezembro de 2007:
http://www.chathamhouse.org.uk/publications/papers/view/-/id/603/

Nenhum comentário: